Vida de deficientes ainda é uma corrida de obstáculos no Brasil
Vida de deficientes ainda é uma corrida de obstáculos no Brasil. Censo revela que quase um quarto da população declara ter algum tipo de deficiência, mas o dia a dia mostra que cidades não estão adaptadas para essas pessoas. Imagem: Euler Júnior/ EM/D.A Press
Imagem: Euler Júnior/ EM/D.A Press
Entrar no ônibus, caminhar pelas ruas, desviar de obstáculos simples, vencer dois ou três degraus. Parecem tarefas do dia a dia, sem a menor importância ou grau de dificuldade, mas para quase um quarto da população brasileira, podem se tornar verdadeiros desafios. Para um cadeirante, embarcar no transporte coletivo, por exemplo, exige ajuda para subir, no braço, a cadeira de rodas, ou ter a sorte de encontrar um veículo equipado com elevador. Para quem tem deficiência visual, o simples ato de caminhar requer muita atenção, pois um descuido pode resultar em um passo em falso, tropeços e quedas. O orelhão, os abrigos de ônibus e as árvores ganham contornos perigosos, pois quando a bengala não acerta o ponto o corpo se torna presa fácil do mobiliário urbano. Esses obstáculos, invisíveis para a maioria das pessoas, são percebidos da pior forma possível por 550.997 moradores de Belo Horizonte (23% da população) portadores de algum tipo de deficiência, segundo o Censo’2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A cidade avança em termos de acessibilidade, mas quem enfrenta a luta diária de poder se movimentar com tranquilidade e conforto sabe que ainda há muito a ser feito.

A média da capital mineira é quase igual à nacional – em todo o país, são 45,6 milhões de pessoas com pelo menos uma deficiência (23,9%). E pouco maior que a média mineira, de 22,6% (4,43 milhões de habitantes nessa situação). A quantidade de deficientes em BH é ainda maior quando se considera que a mesma pessoa pode ter mais de uma disfunção: são 727.710 cidadãos nessa condição. O número considera as autodeclarações de quem tem problemas visuais, auditivos, motores e mentais em níveis de total, grande ou com alguma dificuldade. Para esse grupo, viver numa cidade que ainda não foi adaptada a quem tem necessidades especiais é um desafio.

A dona de casa Anabela Silva Ferreira, de 38 anos, já sofre com problemas de coluna devido ao esforço feito para guiar o pequeno Gabriel, de 8, que depende de cadeira de rodas para se locomover. “Na maioria das vezes, tudo é muito difícil. São prédios que não têm rampa e passeios esburacados, que nos obrigam a transitar pela rua e disputar o espaço com os carros”, diz. Para ir à Associação Mineira de Reabilitação (AMR), onde o filho faz tratamento, é outro sacrifício. Se não quiser descer na Praça do Papa e seguir a pé com o menino, ela vai até o ponto final do ônibus 4103, troca de carro para que, quando ele deixar o Bairro Mangabeiras e seguir no sentido contrário, pare na porta da instituição, na Rua Professor Otávio Coelho de Magalhães.

A volta não é mais fácil, nem quando passa um ônibus com elevador. Ontem, o primeiro que chegou ao ponto tinha o equipamento – estragado. Anabela esperou o próximo. De nada adiantou, pois o veículo nem tinha o aparelho. O jeito foi contar com a ajuda do cobrador para carregar a cadeira. “Houve dias em que precisei esperar quatro, cinco ônibus, pois se ele já chegar com algum cadeirante, não pode levar outro: há apenas um cinto de segurança. Dependendo do horário, quando várias pessoas vão embora da associação ao mesmo tempo, só mesmo obedecendo à fila para ir para casa”, conta. Na cidade em que ela mora, Santa Luzia, na Região Metropolitana de BH, a situação é ainda pior na linha 4335 (Palmital B): “Os elevadores estão sempre quebrados. Já mande várias cartas ao DER (Departamento de Estradas de Rodagem). Sempre respondem que estão providenciando conserto, mas isso nunca ocorre”.

Evolução

Apesar de toda a dificuldade, nos últimos anos algumas normas foram criadas para melhorar o transporte público e as ruas e avenidas da capital. Dos 3.010 ônibus da cidade, 2.216 têm elevadores, segundo a BHTrans. Desses, 1.334 estão adaptados com equipamentos especiais, mais largos, ideais para dar suporte a cadeirantes e a qualquer pessoa com dificuldade de locomoção.

Na licitação de táxi que terá fim mês que vem, do total de 560 novos carros na praça 60 serão veículos especiais, destinados, preferencialmente, ao atendimento a deficientes ou a pessoas com mobilidade reduzida. Em vigor desde 2007, outro avanço foi a criação dos guias de Acessibilidade Urbana e em Edificações, que norteiam os contratos da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) para obras públicas ou intervenções. Eles informam e orientam os profissionais quanto à concepção de projetos que atendam às normas de acessibilidade.

Os guias contêm informações técnicas tiradas das legislações federal, estadual e municipal e da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), com as concepções e dimensões de espaços e conceitos para atender a pessoas com diferentes características e necessidades. Sinalização, espaços necessários para mobilidade em cadeira de rodas, corrimãos, portas e janelas, sanitários e vestiários são alguns dos destaques do Guia de Acessibilidade em Edificações. Já entre as orientações voltadas para as vias urbanas estão as indicações para faixas de travessia de pedestres, esquinas, rampas, escadas e passarelas, estacionamentos e acesso aos serviços de transporte coletivo. As normas contemplam ainda a obrigatoriedade de piso podotátil em passeios recém-construídos ou reformados.

Redação do DIARIODEPERNAMBUCO.COM.BR