A educação do autista .




telecon 9A presidente Dilma Rousseff sancionou lei que cria a Política de Proteção dos Direitos de Pessoa com Transtorno do Espectro Autista.
Nela qualifica-se o autista como "pessoa com deficiência", garantindo-lhe uma série de direitos.
Um deles, previsto no artigo 7.º, diz que "o gestor escolar ou a autoridade competente" que recusar a matrícula de aluno com autismo será punido com multa de até 20 salários mínimos e, em caso de reincidência, perderá o cargo. Isso se aplica mesmo às escolas particulares, que, como entidades privadas, deveriam ter o direito de determinar quem pode e quem não pode frequentar suas aulas. Com a agravante de que a criminalização de quem se recusa a matricular um aluno com autismo pressupõe que todas as escolas já deveriam estar preparadas para essa inclusão, e que a rejeição significa simplesmente "preconceito" contra a pessoa com deficiência. Exageros assim desfiguram uma lei cujo propósito é nobre.

O autismo é uma deficiência de comunicação e de interação social, cuja principal manifestação é a incapacidade do indivíduo de estabelecer relações com os outros. O autista apresenta padrões repetitivos de comportamento e interesses restritos. Por esse motivo, a inclusão dos alunos com autismo nas escolas regulares, sem que haja uma adaptação da instituição, pode gerar efeito oposto ao pretendido. Em lugar de combater o preconceito, a inclusão pode acabar dando espaço a manifestações de estranhamento por parte dos colegas diante do comportamento do autista, o que, não raro, pode derivar para a violência. Logo, se o que se pretende é que o autista possa se desenvolver entre pessoas "normais", é preciso que haja, antes, a formulação de programas que envolvam professores, pais e alunos.
Nem assim, porém, há certeza de que a inclusão funcione. Especialistas argumentam que, ao simplesmente desconhecer as diferenças entre o autista e os alunos "normais", a legislação pode acabar desrespeitando a própria identidade do estudante com deficiência - em lugar de ser educado como ele é, o autista será apenas "normalizado". A inclusão, para ser realmente eficiente e responsável, deve ser antecedida por uma revisão curricular e uma adaptação pedagógica e espacial tão amplas e custosas que poucas entidades privadas teriam condições, ou interesse, de bancar. Assim, para que a lei recém-aprovada fizesse sentido, ela deveria mencionar que a obrigação de promover a inclusão cabe à rede pública.
A educação de autistas é um imenso desafio. Não existe a possibilidade de homogeneizar o ensino, como se faz na rede regular, pois cada estudante nessas condições reage de maneira diferente - há crianças em estágio tão avançado de autismo que não são capazes de acompanhar nem o chamado ensino "especial". Por esse motivo, não se pode, de antemão, assegurar que o desenvolvimento de uma criança com autismo será melhor na rede regular do que na rede especial. Ademais, a inclusão não é a única forma de educar autistas, razão pela qual a decisão sobre o assunto não pode levar em conta apenas o aluno - deve-se considerar também sua família e a própria escola. São as características de cada criança e de cada escola que definirão o sucesso do autista, e isso evidentemente não pode ser definido em lei, mas pelo bom senso.
O tema é delicado, pois envolve a crescente mobilização da sociedade para que as pessoas com deficiência possam exercer sua cidadania, algo que começa pelo direito à educação. A maioria das "escolas especiais", que deveriam servir a esse propósito, não cumprem funções educacionais, mas apenas terapêuticas, nem são reconhecidas como escolas propriamente ditas - logo, seus estudantes também não são vistos como tais. É preciso mudar esse quadro, mas não se pode, em nome desse ideal, atropelar os direitos de terceiros nem legislar ignorando o fato de que a maior parte do sistema educacional regular, cujo despreparo mesmo para os alunos considerados "normais" é gritante, ainda está muito longe de poder oferecer aos alunos com autismo a assistência que eles necessitam.

Fonte: Estadão